Heleno Araújo para o Jornal Brasil Popular
Nesse dia 12 de junho, quando comemoramos o Dia Internacional de Combate ao Trabalho Infantil, é impossível não vincular essa pauta universal com o direito à educação de nossas crianças. E o setor da educação tem enorme responsabilidade nessa agenda pública global que representa um grande avanço civilizatório à toda humanidade.
No Brasil, quando olhamos em perspectiva histórica esse aspecto da nossa realidade, é possível perceber o quanto avançamos nas últimas décadas quanto a essa mazela de termos crianças sendo obrigadas a trabalhar para ajudar na luta diária de sobrevivência de inúmeras famílias. E isso apesar de ainda não termos garantido a irreversibilidade do processo de garantir esse direito a todas às crianças. É urgente que enquanto sociedade fiquemos sempre atentos e vigilantes para garantir o que conseguimos nos marcos legais quanto a garantia do direito à educação de nossas crianças.
A Emenda Constitucional nº 59, promulgada somente no ano de 2009, no segundo mandato do Presidente Lula, foi um importante passo para assegurar o direito à educação de nossas crianças e juventude. Ela prevê a universalização do atendimento na educação infantil e no ensino médio, ao ampliar a obrigatoriedade aos estudantes entre 4 e 17 anos. Essa universalização deveria ter sido implementada por Estados e Municípios, com o apoio do Ministério da Educação, até o ano de 2016. O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pelo conjunto da sociedade brasileira em 2014, em sua Meta 1, previa “universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE”.
Infelizmente o que vimos desde então foi o absoluto descumprimento dessa meta do PNE, bem como também de quase todas as outras. O Brasil teve o seu destino afetado quando, logo 2 anos depois da aprovação da lei do PNE, o país sofreu um duro golpe contra o governo eleito pelo seu povo. Desde desse ano, padecemos com governos que não se importaram com essa questão: primeiro o do golpista Temer, que foi seguido pela eleição de Bolsonaro em 2018. Só agora, a partir desse ano de 2023, podemos respirar ares de democracia e de garantia de direitos e, por isso, apostamos na reversão do quadro que presenciamos desde a tragédia do golpe de 2016.
No meio disso tudo, ainda veio a pandemia da COVID-19, e mais uma vez, os dados mostraram que o índice de crianças de 4 e 5 anos na escola caiu após a pandemia. Segundo o IBGE, a meta de universalização prevista no PNE ficou ainda mais distante. Estávamos nessa questão até caminhando bem, mas, pela primeira vez desde o início da série histórica da Pnad Contínua do IBGE, a parcela de estudantes dessa faixa etária diminuiu de 2019 para cá (que abarca em sua maior parte do períododa pandemia): de 92,7%, em 2019, esse índice cai para 91,6%, em 2022.
Esses dados não vieram desacompanhados de um quadro mais geral em que a educação toda foi afetada. Não foi somente a educação infantil que sofreu nesse período. Os últimos dados da mesma Pnad Contínua do IBGE mostram, por exemplo, que em Pernambuco, o número de analfabetismo cresceu: de 812 mil analfabetos, na população de 15 ou mais anos, em 2018, passamos para 833 mil pessoas ao final de 2022. Trata-se de um ataque cruel ao conjunto da educação brasileira. E se temos famílias com mais analfabetos, é quase natural esperar os/as filhos/as dessas famílias também estarão impelidas a ficarem e continuarem fora das escolas.
Como diz a linda canção infantil do Palavra Cantada, composta por Luís Tatit e Arnaldo Antunes, criança é só para dar trabalho, nunca para trabalhar. Que possamos estar sempre na luta para garantir a aplicação desse direito legal, que a todos deve abarcar.
“Bola, pelúcia, merenda, crayon
Banho de rio, banho de mar, pula-cela, bombom
Tanque de areia, gnomo, sereia
Pirata, baleia, manteiga no pão
Giz, merthiolate, band-aid, sabão, criança não trabalha, criança dá trabalho”.
(*) Por Heleno Araújo, professor, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e atual coordenador do Fórum Nacional da Educação (FNE).