No Ciep Togo Renan Soares Kanela, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, os alunos do 6º ano do ensino fundamental até o 1º ano do ensino médio têm aula de música.
Mais do que divertir, a iniciativa vai ao encontro da lei 11.769, de 2008, que torna obrigatório o ensino da música na Educação básica brasileira. No entanto, o Ciep, assim como a maioria das instituições que se adequaram à legislação, entrou no ritmo por conta própria.
A lei, que deu prazo de três anos letivos para as escolas se adaptarem, ainda não foi regulamentada, deixando soar muitas dúvidas.
O texto da lei não deixa claro, por exemplo, se é necessário criar a disciplina música, se o conteúdo pode ser oferecido interdisciplinarmente e se apenas professores de música poderão ministrar as aulas.
Presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais deEducação (Undime), Cleuza Rodrigues Repulho alerta que as instituições elaboram seus projetos pedagógicos com seis meses de antecedência e muitas não sabem o que fazer:
– Corremos o risco de começar 2012 sem isso estruturado. Música traz ganhos para o aluno e sou favorável à introdução do conteúdo como recurso para melhorar a Educação. Mas não podemos ter a pretensão de oferecer aula de música. São mais de 55 mil matrículas só na rede pública. Não teria professor para todo mundo. As aulas têm que abordar mais o aspecto cultural e não o técnico.
Comissão discute diretrizes para o ensino de música
Vice-diretor da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marcos Nogueira diz que, além da UFRJ, a Universidade Federal do Estado do Rio (Unirio) e o Conservatório Brasileiro de Música oferecem licenciatura na área e, por ano, formam cerca de 80 novos professores. O número seria insuficiente para atender à demanda:
– O termo “ensino de música” deveria ser excluído da lei. Entendo que, na verdade, ela determina atividades de música. Acho possível orientar professores não especialistas para que ofereçam este conteúdo. Eles podem despertar o aluno para a pesquisa sonora.
Uma comissão formada por membros do Conselho Nacional de Educação está discutindo diretrizes para o ensino da música no Brasil e, no próximo dia 29, apresentará uma minuta dos estudos. Depois, caberá aos conselhos estaduais e municipais adequarem as medidas à realidade local.
– Não há falta de orientação do CNE. Estamos trabalhando as demandas das redes – diz a professora Clélia Brandão, integrante da comissão do CNE, acrescentando que as escolas terão autonomia para elaborar seus projetos. – O ensino de música entra na área de arte e não deve ser uma disciplina, mas um programa de atividades. Quem já tiver projeto pronto, não precisa mudar.
O Colégio Pedro II, por exemplo, oferece aula de música desde a sua fundação, em 1937, para todos os alunos. Na Educação infantil, aprendem sobre folclore, instrumentos de percussão. Do 6º ao 9º ano, tocam flauta, e, nas séries finais, enfatizam a história, a cultura e a escrita musical. Na instituição tradicional, os professores têm que ter formação musical e pedagógica.
Nas escolas do Sesi, há um ano os alunos do 1º ao 9º ano participam do Programa Repertórios, elaborado pelo maestro Ricardo Prado, com a proposta de ampliar os interesses e ajudar os jovens a descobrir a música:
– Quero que ampliem o repertório. Eles desenvolvem o talento musical, mas aprendem a montar equipamento, a fazer figurino das apresentações – diz o maestro, que já foi contra a obrigatoriedade do ensino de música. – Agora entendo que a obrigatoriedade é necessária para os governos destinarem verba para isso. Mas nosso lema é “por uma cultura da escolha”.
Aluno do 6º ano do Sesi-Jacarepaguá, Rafael Rhoden, de 11 anos, diz que aprendeu a ouvir música de outra maneira: – Fico atento para descobrir os instrumentos usados.
Secretária diz que lei precisa ser regulamentada
Lucas Barbosa Miato, de 13 anos, aprendeu a tocar violão e a cantar na Escola Municipal Professor Carneiro Felipe, em Marechal Hermes, Zona Norte do Rio.
Segundo a secretária municipal de Educação, Claudia Costin, a rede hoje tem 347 professores de música, que dão aulas para as turmas do 6º ano, dentro da disciplina artes. Apesar de as escolas estarem seguindo a proposta da lei, Claudia diz acha que a falta de uma regulamentação atrapalha: – Fizemos o que achamos mais adequado.
Em São Paulo, a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas não chega a causar grande preocupação nos colégios públicos e privados.
De acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado (SIEEESP), que representa 11.800 escolas privadas, a maioria já oferecia o conteúdo dentro da disciplina artes, antes mesmo da lei, como é o caso do Colégio Marista Arquidiocesano, na Zona Sul da capital.
Na semana passada, alunos tocaram pela primeira vez num piano: – Nunca tinha tocado, foi show de bola – disse Pedro Henrique Gazoni, de 6 anos.
No Nordeste, o tom da conversa é outro. Em Pernambuco, levantamento da Associação Nacional de Arte Educadores indica que apenas 18% dos professores que lecionam arte no estado fizeram licenciatura na disciplina que, teoricamente, incluiria aulas de música.
No estado, apenas a Universidade Federal de Pernambuco tem curso de licenciatura em arte. – Infelizmente, o quadro do estado é esse. Na década de 90, esse percentual ficava entre 6% e 9% – afirma o professor de arte Zélito Passavante.
A ESCOLA COM QUE EU SONHO
Rogério de Paiva Lima – Diretor da Escola Sesi-Volta Redonda
“O desafio de ensinar-aprender ”
Reflito cotidianamente sobre os desafios que nós, educadores, precisamos enfrentar. Olhando as práticas metodológicas do universo escolar, vejo que falamos o tempo todo sobre o lixo, equilíbrio ecológico, responsabilidades individuais e coletivas…
E continuamos assistindo às pessoas jogando lixo no chão, vemos a violência no trânsito, desperdício. Pelo que se pode perceber, a pedagogia da fala não tem levado o percurso escolar aos fins da Educação.
O educador Paulo Freire já afirmava que os saberes não precedem o real. Ou seja, é preciso partir da sensibilidade para produzir conhecimento, usando instrumentos que alcancem sua essência; é preciso usar uma metodologia que fale sem palavras e sem julgamentos, mas carregada de ética e de estética, com sonoridade prazerosa e crítica.
E assim vejo mais forte o desafio de ensinar-aprender a partir da arte e da música. A música ajuda o aluno a olhar para o mundo, percebendo-se parte dele e dando a chance de encontrar outras possibilidades de relacionamento.
A retornar para nós mesmos, todos os atores envolvidos, a responsabilidade pelos ritmos e sons, numa orquestra de iguais, socialmente iguais, sujeitos de direitos e deveres. Esta é a escola do meu sonho!
Fonte: O Globo