SP ensina servidor a lidar com diversidade sexual
Segundo Heloisa Gama Alves, coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual da Secretaria Estadual da Justiça, a procura pelo curso superou as expectativas.
Que atitude o professor deve ter ao presenciar um aluno homossexual sendo motivo de piada dos colegas? Na saúde, os médicos estão preparados para conduzir protocolos em travestis e transexuais da mesma maneira que tratam de homens e mulheres heterossexuais? Como policiais devem superar a homofobia nas abordagens a gays e lésbicas?
Na avaliação do governo de São Paulo, os servidores públicos estaduais não estão preparados para, exemplarmente, prestar serviços e respeitar direitos básicos da população de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis (LGBT). Por isso, a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual – órgão da Secretaria de Justiça – criou um curso a distância sobre cidadania LGBT, voltado exclusivamente para o funcionalismo público do Estado, com o objetivo de tentar responder as perguntas acima.
A primeira edição do treinamento, realizada no ano passado, formou mais de mil servidores principalmente das áreas de educação, saúde e segurança. Pronta para começar, a segunda turma deverá ter mais de 1,5 mil participantes. Com adesão voluntária, o programa é dividido em três módulos, totalizando 30 horas e apresenta textos de especialistas, propostas de estudo de legislações, vídeos e atividades baseadas em situações reais, além de questionários e discussões online.
O curso faz parte do Plano Estadual de Enfrentamento à Homofobia, conjunto de ações que envolvem 11 Secretarias de governo. A psicóloga Deborah Malheiros, técnica da Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual, explica que os primeiros passos são a capacitação, o fornecimento de informações e fazer os servidores públicos refletir. “Também buscamos a criação de políticas públicas para a promoção da cidadania da população LGBT, como a criação, em 2009, do ambulatório de saúde integral para travestis e transexuais”, afirma.
Segundo Deborah, as minorias LGBT “sofrem muito” no sistema público de saúde. O ambulatório exclusivo, diz, foi criado porque travestis e transexuais são maltratados nos postos de saúde e acabam procurando unidades especializadas em aids ou diretamente o pronto socorro para cuidar de problemas simples, como dor de cabeça. “Fora o preconceito institucionalizado, imagina uma travesti que deseja tomar hormônio: quando o médico se forma aprende a aplicar hormônio feminino em mulher, nem sempre sabe como fazer em um corpo masculino, falta preparo. No ambulatório o atendimento especializado é ofertado”, continua a psicóloga.
Edson Ferreira da Silva, agente de organização escolar do Colégio Estadual Silvia Ribeiro de Carvalho, em Marília, interior de São Paulo, se inscreveu no programa para se reciclar e por estar “cansado” de presenciar o preconceito entre os muros da escola. “A intolerância vem de ambos os lados: profissionais que têm pouca informação sobre o assunto e os próprios alunos que recebem em casa uma formação preconceituosa.” Ele conta que o principal erro dos profissionais da educação é tratar um problema meramente disciplinar com um olhar homofóbico. “Alunos declaradamente gays com problemas de comportamento são punidos primeiro pela escolha sexual. O aspecto disciplinar da situação acaba ficando em segundo plano”, relata Edson.
Também inscrita no curso a distância sobre cidadania LGBT, a delegada Adriane Gonçalves, da Delegacia de Defesa da Mulher de Jacareí, informa que o tema diversidade sexual está na pauta da polícia atualmente, mas o caminho para superar os preconceitos é longo. Segundo ela, o tema é abordado continuamente na academia e já virou matéria na formação dos novos policiais. “O respeito às minorias LGBT vem crescendo, mas ainda há muitos casos de abordagens de policiais a gays e travestis com desprezo, sarcasmo, chacota. Mas nessa luta só informação combate esse despreparo.”
Segundo Heloisa Gama Alves, coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual da Secretaria Estadual da Justiça, a procura pelo curso superou as expectativas e o esforço agora é para que o programa se torne permanente. “A homofobia não está presente só no serviço público. Também ocorre na iniciativa privada. Para a realidade mudar é preciso que as ações de capacitação sejam permanentes”, diz Heloisa.
O curso é elogiado pela presidente e fundadora da ONG Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), Edith Modesto. Porém, a entidade, que orienta pais e professores a lidar com filhos e alunos gays, desconhecia a iniciativa. “Como é um programa só para servidores, eles devem ter feito uma divulgação bastante dirigida. Mas é muito bem-vindo, pois os profissionais precisam de mais instrução, principalmente na educação”, diz. Deborah Malheiros reforçou que o conteúdo do curso foi elaborado a partir de denúncias de cidadãos e entidades recebidas pela Secretaria da Justiça sobre homofobia no dia a dia dos serviços públicos.
Fonte: Valor Econômica