O futuro da pernambucana Maria Vitória Barros, 3 anos, e de milhares de crianças e jovens brasileiros começa a ser desenhado hoje, com a Conferência Nacional de Educação (Conae), que acontece em Brasília até quinta-feira. O encontro vai definir sugestões para as diretrizes do novo Plano Nacional de Educação (PNE), já que o atual expira este ano.
A importância do PNE é grande, pois a lei reúne metas que União, Estados e municípios devem atingir na educação nos próximos 10 anos (de 2011 a 2020). Assunto que interessa a estudantes, pais de alunos, professores, gestores e à sociedade em geral.
O tema central da Conae será a constituição do Sistema Nacional Articulado de Educação. Fala-se muito no regime de colaboração entre os governos, mas na prática essa cooperação pouco acontece. A ideia é definir mais claramente qual o papel de cada um na tarefa de educar. Também normatizar, coordenar e regulamentar o ensino. “O Brasil tem hoje um grave problema que precisa ser resolvido nos próximos anos, a questão da responsabilidade. Se uma criança não aprende, de quem é a culpa? Quem é responsável? Quem presta contas de quê?”, observa o presidente executivo do movimento Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos, ex-secretário de Educação do Estado.
A proposta de criação de uma lei de responsabilidade educacional (já tramita um projeto na Câmara Federal) é outro tema que deve chamar a atenção na Conae. “Apenas nove Estados brasileiros têm Planos Estaduais de Educação constituídos, como determina o atual PNE, que começou a vigorar em 2001. É preciso cobrar dos gestores o cumprimento das metas. Cada um tem que fazer a sua parte e mostrar resultados”, defende a presidente do Conselho Nacional de Educação, Clélia Brandão, ressaltando a necessidade de também serem definidos mecanismos de punição para quem não cumprí-las. Pernambuco é um dos Estados que tem plano elaborado.
MAIS RECURSOS – Ainda na lista de assuntos que deverão provocar debates acalorados na conferência estão o financiamento da educação, a definição do custo-aluno-qualidade e o cumprimento da lei que instituiu o piso salarial do magistério (e o real valor do salário mínimo para os docentes). Também as cotas nas universidades públicas, o acesso ao ensino superior (só 13,7% dos jovens de 18 a 24 anos estão na faculdade) e as ações de combate ao analfabetismo (há 14 milhões de brasileiros sem saber ler nem escrever).
Atualmente, 4% do Produto Interno Bruto (PIB) são investidos na educação básica (vai da pré-escola ao ensino médio) e 0,9% no ensino superior. A proposição é que no novo PNE esse índice dobre, chegando a pelo menos 10%. A grande expectativa é de que o presidente Lula não faça como seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que vetou, no PNE atual, a obrigatoriedade dos gastos públicos com educação serem de 7% do PIB.
Representante da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) na coordenação da Conae, a secretária de Educação de Olinda, Leocádia da Hora, conta que um pleito da entidade é direcionar os recursos da União, repassados para os municípios, para contas gerenciadas pelos titulares da pasta de educação. Hoje, na maioria das vezes, o dinheiro vai para contas da prefeitura ou da Secretaria da Fazenda. “Na conta da educação, ficará mais fácil executar as ações planejadas”, ressalta Leocádia.
TRAMITAÇÃO – A Conae vai reunir cerca de 3 mil delegados de todo o País, eleitos nas conferências estaduais e municipais (foram 450 mil delegados e cerca de 1 milhão de pessoas mobilizadas nos encontros realizados nos últimos dois anos). Pernambuco terá, em Brasília, 86 representantes. Foram formuladas mais de 5 mil propostas que, condensadas, compõem um documento base (disponível no www.conae.mec.gov.br). O resultado dos quatro dias de debates (hoje acontece apenas a abertura da conferência), com as propostas para o novo PNE, será encaminhadas ao Ministério da Educação.
O ministério poderá acatar ou não as sugestões da Conae, mas a expectativa é de que a maioria das propostas seja aproveitada. Uma das diferenças do próximo plano, comparado com o atual, é justamente a intensa participação de educadores e entidades na formulação das diretrizes. O MEC planeja enviar em maio o texto do PNE para o Congresso Nacional apreciá-lo e votá-lo. Depois, segue para sanção do presidente Lula.
Mas até chegar na mesa do presidente, o novo PNE deverá sofrer muitos ajustes. O ano eleitoral, com escolha de deputados e senadores, pode atrapalhar o andamento do projeto (embora especule-se que o plano também paute as campanhas políticas).
“Não vai ser fácil. O texto deve ser muito mexido no Legislativo. Sobretudo agora, ano de eleição, quando políticos que não fizeram nada vão querer mostrar serviço colocando suas contribuições, sem muitas vezes atender aos interesses da coletividade”, destaca Mozart. “Acredito na cidadania e na brasilidade dos parlamentares. A importância do PNE é grande para a educação brasileira. Caberá à sociedade se envolver no processo e cobrar a aprovação do plano”, complementa Clélia.
FUTURO – Duas justificativas para o fracasso do atual plano – apenas pouco mais de um terço se cumpriu, segundo estudo encomendado pelo MEC – foram a grande quantidade de metas (295) e a ausência de indicadores para mensurá-las. A pouca divulgação e desconhecimento da sociedade sobre o plano também contribuíram.
“Um plano só mobiliza a sociedade se tiver a capacidade de comunicar-se com ela, que vai cobrar dos governantes o cumprimento das metas. Esperamos que o próximo PNE tenha menos metas, com indicadores definidos para acompanhamento regular”, diz Mozart. “É importante também que essas metas estejam atreladas ao financiamento. Tem que haver uma ponte entre o desenvolvimento das ações e os seus custos, para que de fato as coisas aconteçam.”
Os pais de Maria Vitória, que sequer terminaram o ensino fundamental, torcem para que o próximo PNE melhore a educação brasileira. “Se eu tivesse estudado, com certeza estaria bem melhor de vida. Minha filha vai ter um futuro diferente, porque faço questão que estude”, afirma Aílson Barros, que lê, mas não sabe escrever. “Abandonei a escola aos 12 anos, para trabalhar. Com Vitória, isso não vai acontecer”, assegura Maria de Fátima Barros.
Por Margarida Azevedo
do Jornal do Commercio
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