Representantes de entidades sindicais dos profissionais da Educação falam sobre problemas da versão anterior da Reforma do Ensino Médio e expectativas em relação às mudanças
Da EPSJV
“Os professores não estavam preparados para isso”. A afirmação é de Katia .Almeida, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos em Educação do Amapá e conselheira de educação do estado, mas foi repetida, com variações, por quase todos os representantes da luta docente ouvidos pela reportagem. Mais do que uma constatação, a frase expressa uma crítica ao impacto que a reforma do Ensino Médio original impôs ao cotidiano dos professores desse segmento em todo o país. “Imagina: você tem quatro anos de uma graduação, investimento em especializações, pós-graduações, como mestrado e doutorado, e de repente você tem que dar disciplinas, como tem na nossa rede, de [competência] socioemocional”, ilustra Marília Cibelli, Secretária para Assuntos Educacionais do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação de Pernambuco (Sintepe). Na origem desse desvio, explica Cibelli, está a redução da carga horária de algumas disciplinas, que veio junto com a Reforma do Ensino Médio.
De fato, a queixa principal é que, na concepção da reforma anterior, com a introdução dos itinerários formativos, o currículo foi preenchido com muitos conteúdos que não tinham qualquer relação com as disciplinas para as quais os professores foram formados. A representante sindical do Amapá reforça que o problema não está na Formação Geral Básica. “Matemática, português, ciência, biologia, filosofia, química… Isso é normal. Os alunos absorvem, os professores absorvem. O que está desproporcional são os itinerários formativos”, diz. E o fato é que os docentes tiveram que ‘se virar’. “Tem professor de geografia e sociologia, por exemplo, dando aula de empreendedorismo e ensino religioso”, ilustra Almeida, denunciando o que considera um “desvio de função”. Ildebrando Paranhos, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo e integrante do conselho de educação do estado, vai na mesma direção, explicando os malabarismos que os docentes precisaram fazer para garantir sua carga horária: “Às vezes o professor de filosofia é obrigado a ‘pegar’ a [aula de] economia doméstica porque senão ele vai ficar em cinco, seis escolas, já que a filosofia é uma das matérias que teve uma grande redução da carga horária em alguns estados”, conta.
A Secretária Executiva Educacional do APP Sindicato do Paraná, Margleyse dos Santos, retrata um problema ainda mais grave. Segundo ela, com o respaldo da lei 14.315, que instituiu o Novo Ensino Médio, o estado firmou parceria com uma instituição de ensino superior privada, a Unicesumar para ofertar o itinerário 5, da formação profissional e isso acabou levando à substituição dos professores que já atuavam na rede. “Nós somos contra parcerias com empresas particulares para as escolas. A gente tem acordo que essas parcerias [aconteçam] com os Institutos Federais, que podem vir somar e não substituir os professores que são da rede”, diz.
Muitos representantes estão atentos também ao prejuízo que esse processo causou nos alunos. “Piorou para os professores, piorou para os estudantes”, analisa Bia Lima, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Educação de Goiás (Sintego). “A ideia de que esses estudantes iriam ter aprofundamento nesses itinerários [formativos] acabou não acontecendo, porque tem itinerário que era uma coisa absurda, como ‘razão, sensibilidade e emoção’. Eram unidades muito fracas em termos de conteúdo, fora uma venda deliberada da ideia do empreendedorismo”, critica Marília Cibelli, que resume: “Quando a gente vai ganhando fôlego agora em 2023 e encerra esse ciclo em 2024, a gente tem esse prejuízo enorme para a formação”.
Foi nesse momento que vieram as mais recentes mudanças, instituídas pela lei 14.945, à qual as redes de ensino deverá agora se adaptar. “O Ensino Médio precisava com urgência ter uma mudança. Foi por isso que nós, do movimento sindical, através da CNTE [Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação], junto com o MEC, pedimos mudanças urgentes para que a gente pudesse voltar a oferecer efetivamente formação para os estudantes”, explica a presidente do Sindicato de Goiás, que também é deputada estadual. “Essa lei traz para a gente algumas mudanças importantes, mas aí precisa verificar na prática qual é a eficiência delas”, pondera Ildebrando Paranhos, do Espírito Santo. A representante dos docentes da rede pública de Pernambuco ressalta como as novas Diretrizes do Ensino Médio, publicadas na resolução 2/2024, pelo
Conselho Nacional de Educação (CNE), reforçam que os itinerários devem “ter o formato de aprofundamento”, o que, segundo ela, também foi prometido, mas não cumprido, na versão original da reforma. “Se essa concepção for mantida e realmente colocada na prática, eu acho que sana [os problemas causados pela lei 13.415]”, avalia Cibelli. O representante sindical do Espírito Santo aposta também que a ampliação da carga horária da Formação Geral Básica, determinada pela nova legislação, vai minimizar os transtornos que a Reforma do Ensino Médio causou na vida dos professores. “A gente não definiu nenhuma fala única na direção do sindicato [sobre as mudanças atuais], temos trabalhado para buscar um jeito de fazer um pronunciamento sobre toda essa legislação, mas o entendimento até o momento é que com esse itinerário formativo sendo pelo menos um deles na área de conhecimento prevista, e ressalvadas as questões da formação técnico-profissional, vai acontecer um aprofundamento em algumas matérias e isso vai contribuir para que o itinerário não fique tão deslocado como ficou na primeira reforma”, diz.
A secretária executiva educacional da APP, Sindicato do Paraná, Margleyse dos Santos, vê as alterações que o Novo Ensino Médio está sofrendo agora como resultado de “uma grande luta” contra o “retrocesso” que a reforma original representa. Ela ressalta o fortalecimento das disciplinas da Formação Geral Básica como uma conquista, embora considere que o resultado final “não condiz” com aquilo pelo que o movimento sindical e outros militantes da Educação lutaram.
Duas das representantes sindicais que falaram com a reportagem enfatizaram ainda a luta das suas entidades contra o fechamento de cursos noturnos, exatamente um dos aspectos que foram mais críticados por esses movimentos na regulação pela nova legislação do Ensino Médio. Marília Cibelli, de Pernambuco, conta que o sindicato teve sucesso com ações junto ao Ministério Público para a reabertura de turmas noturnas na capital, Recife. Mas ela afirma que essa pauta permanece atual, tanto com demandas que se repetem em outras cidades como com a necessidade de frear o processo de nucleação da Educação de Jovens e Adultos (EJA), uma estratégia de gestão que junta turmas sem considerar a distância que os estudantes terão que percorrer para permanecer estudando. “Aqui do sertão, o estudante às vezes leva 20 quilômetros para poder chegar à escola”, conta. De acordo com Margleyse dos Santos, o Paraná enfrenta o mesmo problema, e já há muito tempo. “Essa é uma luta que nós vamos ter que travar junto à secretaria”, diz. Ao contrário do que defendiam os principais movimentos sociais da Educação e, particularmente, aqueles ligados à EJA, a lei 14.945 estabelece que os estados devem manter turmas de Ensino Médio regular noturno em todos os municípios, mas com a ressalva – ou a brecha – de que é preciso ter “demanda manifesta e comprovada para matrículas de alunos”.