Sindicato dos Trabalhadores e das trabalhadoras em Educação de Pernambuco

Fazer do próximo Plano Nacional de Educação uma agenda de desenvolvimento para o país exige coragem! – POR HELENO ARAÚJO

Do Brasil Popular,

No próximo dia 25 de junho, o atual Plano Nacional de Educação (PNE), ainda em vigor, completará 10 anos. A idade para a qual foi mesmo planejado, já que de fato ele sempre foi um planejamento decenal da nossa educação no Brasil. Os resultados do PNE, medidos e auferidos por suas 20 metas e inúmeras estratégias, foram em quase sua totalidade não cumpridos, ou parcialmente cumpridos. Trata-se mesmo de um verdadeiro acinte contra o nosso povo. A educação é o serviço público que atinge mais diretamente as famílias brasileiras e é, ainda hoje, o principal indutor de crescimento do país, assim como de crescimento pessoal dos próprios jovens. Nenhum projeto de desenvolvimento de nação pode prescindir desse bem tão precioso.

O descumprimento das metas do PNE fere, portanto, o próprio projeto de futuro do Brasil. O direito à educação, conforme indicado no artigo 205 da nossa Constituição, é um dos nossos direitos sociais mais fundamentais, e por isso está consagrado no texto de nossa Carta Magna. A Administração Pública torna-se responsável por garantir o amplo acesso aos estabelecimentos de ensino por meio de políticas públicas eficazes. Esse direito é universal e deve ser assegurado a todos/as, independentemente de idade, raça, gênero ou classe social. A Constituição Federal de 1988 estabelece que a educação não garanta somente o acesso e a permanência na educação básica, mas que também ela atenda a padrões de qualidade para todos os cidadãos, direitos que são complementados por outras legislações, como o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Portanto, o direito à educação é essencial para o desenvolvimento individual e coletivo do país, contribuindo de forma central para a formação de uma sociedade mais justa e igualitária que tanto almejamos.

Das várias metas que constam ainda no PNE, resultado de debates e discussões com amplos setores da sociedade civil brasileira na Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010, estão questões centrais que não poderiam nunca estar sendo descumpridas como tem sido. A meta da valorização profissional, por exemplo, que estabelece planos de carreira e formação continuada aos/às seus/uas profissionais, bem como uma jornada de trabalho justa, foi categoricamente descumprida. Prevista para ser atingida em 2020, a meta era equiparar o salário médio dos/as professores/as ao dos/as outros/as profissionais de mesma formação. Não foi cumprida no prazo, tendo avançado a cerca de um terço do ritmo necessário ao seu cumprimento. E isso se deu muito em decorrência do achatamento e do recuo salarial das outras categorias, mais que propriamente à valorização da carreira do magistério. O descumprimento ainda hoje por muitos entes federados do pagamento do valor do piso salarial nacional do magistério é prova inconteste de como ainda temos muito a percorrer para colocar a educação, de fato, como uma prioridade política em nosso país.

Outro objetivo do PNE sempre foi o do financiamento da educação.Inscrito na meta 20 do plano, ele é crucial para o cumprimento de suas demais metas. Afinal, sem dinheiro, tudo fica muito difícil.Por isso que o financiamento é essencial para avaliar o estado de descumprimento geral do PNE,evidenciado no restante das outras metas. Em 2019, o PNE estabeleceu a meta de destinar 7% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação, mas os gastos permaneceram em torno de 5% entre 2015 e 2017, com uma queda em vez de aumento. A austeridade fiscal, presente desde a aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC95), do Teto de Gastos imposto pelo governo Temer, ainda persiste em muitos dos seus efeitos, embora já revogada no ano passado. Além disso, temos outros desafios no financiamento educacional, que incluem a regulamentação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) e do Sistema Nacional de Educação (SNE), esse último para garantir a organização do sistema e da prestação do serviço à sociedade.

Mas mesmo as metasno PNE que não precisam para o seu cumprimento diretamente de recursos financeiros andaram para trás e passaram longe de serem cumpridas. A meta 19, que trata sobre a gestão democrática nas escolas, terminou por esbarrar na nossa própria cultura política brasileira, que tem no autoritarismo uma de suas maiores marcas. Em 2021, os conselhos escolares, associações de pais e mestres (APMs) e grêmios estudantis que deveriam existir em todas as escolas municipais só existiam em 35% delas. Nas escolas estaduais, esse número era de 54%, e nas federais, de 52%. No que diz respeito ao processo de seleção de diretores, apenas 13% daqueles que faziam a gestão das escolas estaduais chegaram ao cargo por meio de critérios técnicos combinados com eleições com participação da comunidade. O processo de militarização de escolas, por exemplo,uma chaga que ainda persiste em alguns Estados brasileiros, está em franca oposição aos princípios mais básicos de gestão democrática.

O novo PNE, portanto, que cobrirá os próximos 10 anos (2024-2034), e que teve como nascedouro os ricos debates travados no âmbito da CONAE extraordinária ocorrida ainda nesse janeiro de 2024, deve deixar de ser somente um plano de boas intenções. É fundamental que o Ministério da Educação (MEC) assegure a participação e ausculta sociais em todo o processo de formulação do projeto de lei (PL) que será encaminhado ao Congresso Nacional aprovando o novo PNE. Para nossa surpresa, até o final da escrita desse artigo, as entidades educacionais com assento no Fórum Nacional de Educação, que é o espaço de interlocução da sociedade civil com o MEC no que concerne às políticas educacionais do país, não haviam sido consultadas sobre o PL que será encaminhado para a votação dos/as parlamentares. Mas o documento vazou e o jornal Estado de São Paulo deu indicativos do que nele constará. E mais uma vez, o conjunto do movimento educacional brasileiro, tão empenhado nos debates da CONAE, está apreensivo com o que foi divulgado. Lá consta que o governo, para evitar desgastes desnecessários, está tirando do novo PNE questões centrais que envolvem os direitos educacionais das pessoas LGBTQIA+, além de excluir também todo o debate acumulado na CONAE da questão ambiental e climática.

A atual gestão do MEC precisa confiar e fortalecer os espaços dos Fóruns de Educação, trazer e fazer o debate sobre as políticas educacionais para dentro do Fórum Nacional de Educação. A SASE/MEC precisa ter um papel mais proativo para contribuir com o fortalecimento dos Fóruns Estaduais/Distrital de Educação, montando equipes técnicas nos Estados para ajudar a criar e fortalecer os Fóruns Municipais de Educação. O governo não deve ficar refém e tampouco preso às pautas impostas pela extrema direita no país. É preciso sair das cordas e, com coragem, bancar o bom debate que o país e o povo tanto precisam e almejam nesse momento histórico. Que o novo PNE reflita, em sua totalidade, o debate travado na CONAE 2024!

(*) Heleno Araújo é presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE e professor das redes públicas de educação básica do Estado de Pernambuco e do Município de Paulista – PE.

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