Sindicato dos Trabalhadores e das trabalhadoras em Educação de Pernambuco

Educação baseada na autonomia

Modelo finlandês de escola pública foi mostrado ontem para 3 mil docentes em congresso
Imagine um país onde a taxa de analfabetismo é zero, o salário anual do professor chega a U$ 45 mil (R$ 77,4 mil), os jovens sonham em seguir a carreira docente e as escolas têm autonomia para montar seus próprios currículos? Pois o país-modelo em educação existe, tem 5,3 milhões de habitantes e fica no norte da Europa.
Reijo Laukkanen, professor da Universidade de Tempere, falou sobre a independência das unidades de ensino de seu país. Foto: Juliana Leitão/DP/D.A Press
A Finlândia é o que se pode chamar de case de sucesso, já que ocupa o topo do ranking criado pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), que produz indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais no mundo. Ontem o professor Reijo Laukkanen, da Universidade de Tempere, falou sobre a excelência de ensino de seu país a mais de 3 mil professores pernambucanos. A palestra “Os segredos da educação da Finlândia” foi a mais aguardada da programação do dia no VIII Congresso Internacional de Tecnologia na Educação, que termina hoje no Centro de Convenções, em Olinda. O “segredo” do país europeu é simples: encarara educação como prioridade nacional.
Antes de discorrer sobre os índices de excelência da Finlândia, Reijo fez questão de dizer aos presentes que lotaram a platéia do Teatro Guararapes que seu país nem sempre foi modelo em educação. O processo, frisou, começou na década de 1980. “A mudança começou com a autonomia das escola, a partir de 1985. Elas passaram a receber, de forma direta, os recursos do governo. E ganharam independência para gastar como e onde quisessem. Com o tempo, os inspetores do governo perceberam que os gestores estavam gastando a verba de forma sábia. Pouco depois, os inspetores deixaram de existir”, explicou. Na mesma época, cada município foi liberado para construir seu próprio currículo pedagógico, respeitando as características regionais e as diretrizes nacionais. Ao contrário do que acontece no Brasil, na Finlândia não são realizados rankings de escolas. “Acreditamos que esse tipo de lista dá um resultado superficial”, apontou.
As mudanças implantadas pelo governo acabaram criando umsentimento nacional em prol da educação. “A Finlândia é diferente do Brasil, onde há muitos recursos naturais. Lá nossos recursos são as pessoas e é por isso que investimos nelas. Investimos na criação de conhecimento”, argumentou. O professor informou que, a partir das mudanças implantadas há 30 anos, os finlandeses passaram a incentivar e a cobrar uma educação de qualidade. Objetivo perseguido até hoje, mesmo tendo o país alcançado os melhores resultados do Pisa, que avalia os conhecimentos dos estudantes nas áreas de leitura, matemática e ciências. O resultado é que praticamente não existem mais escolas particulares no país, graças à qualidade do ensino público ofertado.
Além da autonomia das escolas, a qualificação dos professores chama a atenção. Para entrar em sala, os docentes precisam estudar cinco anos na universidade, além de fazer especialização na respectiva área de ensino. No Brasil, muitos professores atuam no educação infantil apenas com o magistério (nível médio). “O professor goza de grandeprestígio dentro da sociedade finlandesa. Muitos jovens querem seguir a docência e os pais têm confiança neste profissional. É por isso que não realizamos testes de avaliação, porque sabemos que todos os docentes são capacitados”, comentou.
Salário atraente e valorização
O professor da Finlândia recebe um salário médio de 2,4 mil euros (em torno de R$ 5 mil) por mês. A remuneração é superior à média salarial do país, de 2,2 mil euros, e ilustra o quanto o trabalhado em educação é valorizado por lá. Em Pernambuco, existe docente ganhando R$ 600 para atuar na rede municipal de ensino. Apesar de pagar valores consideráveis a seus profissionais, a Finlândia não é o país onde se paga o maior salário do mundo ao professor. Este posto é alcançado pela Austrália, onde o professor do ensino primário chega a ganhar U$ 46 mil (R$ 78,2 mil) por ano. A constatação prova que a qualidade da educação não passa, diretamente, pelo pagamento dos mais altos salários aos professores. A Finlândia é um exemplo disso.
Segundo o professor Reijo Laukkanen, o ensino de ponta é conquistado porque os docentes do seu país têm compromisso com a aprendizagem. “Quando eles percebem que existem alunos com problemas para acompanhar os assuntos, fazem reuniões com os pais e recomendam aulas de reforço. Essas aulas são pagas pela sociedade, que entende que a educação é um prioridade máxima”, elogiou.
Os valores dos salários ofertados no país do norte europeu encheram os olhos dos professores pernambucanos durante a palestra. “Não conhecia a realidade da Finlândia. Foi uma surpresa para mim saber os valores dos salários dos docentes e como a sociedade de lá valoriza a educação. Acho que, de todos os exemplos citados, o Brasil poderia adotar a autonomia das escolas para melhorar seus índices educacionais”, apostou a professora da rede estadual, Sueli Ramos, de 42 anos.
Entrevista // Reijo Laukkanen “Não existe analfabetismo”
O professor Reijo Laukkanen, que falou ontem aos professores pernambucanos, é considerado referência em seu país. Além de acadêmico, ele é conselheiro na Finnish National Board of Education (FNBE) e representa a Finlândia na mesa dirigente do Centro de Pesquisa Educacional e Inovação e liderou o processo de evolução da educação finlandesa, no início da década de 1980.
Qual o índice de analfabetismo da Finlândia?
Não existe analfabetismo na Finlândia (o país conta com duas línguas oficiais: o finlândes, falado por 91,2% da população, e o sueco, dominado por 5,5% dos habitantes). E o índice de evasão (abandono de vagas por parte dos alunos) não ultrapassa 1% em nosso sistema educacional. Acredito que esses resultados são alcançados graças à qualificação dos docentes. Eles passam, no mínimo, cinco anos na universidade. Todos, antes de entrar em sala de aula, precisam também fazer uma especialização. O professor de matemática, por exemplo, tem que estudar seis anos antes de dar aula.
Vocês ainda precisam enfrentar algum problema, como a violência nas escolas?
Sim. Enfrentamos problemas de tiroteio em algumas escolas. Já registramos duas situações semelhantes a que ocorrem em escolas dos Estados Unidos. Não temos como evitar transtornos mentais dos estudantes. Mas não adotaríamos medidas como as usadas no Rio (onde foram instalados detectores de metais em algumas unidades deensino). Essa medida seria extrema para nós, finlandeses. Também temos problemas como a falta de condições de alguns municípios, que são mais pobres e não conseguem proporcionar treinamentos adequados a seus professores.
Como são repassados os recursos para a educação?
Parte dos recursos é do governo federal e parte é da renda dos próprios municípios. Com esse dinheiro que chega, as escolas podem fazer o que quiser, de forma tranquila. O governo financia 55% dos valores destinados a compra de livros.
Como é o sistema de ingresso no ensino superior da Finlândia?
A seleção dos alunos que vão entrar na universidade é feita na própria escola, por indicação dos professores.
Existem vagas para todos?
Posso dizer que 30% dos nossos estudantes do ciclo equivalente ao ensino médio entram na universidade.
Mirella Marques
[email protected]
Reportagem publicada no Diario de Pernambuco, na editoria Vida Urbana, no dia 10 de setembro.

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