Sindicato dos Trabalhadores e das trabalhadoras em Educação de Pernambuco

Consciência Negra: Conquistas e desafios para uma educação antirracista

Autora: Graça Elenice 

“Sonhei….que Zumbi dos Palmares voltou

A tristeza do negro acabou

Foi uma nova redenção….”

(Alvinho, Hélio Turco e Jurandir – 1988)2   

 Na perspectiva dos poetas: Turco e Jurandir autores da música Cem anos de liberdade ou Ilusão? Buscamos homenagear Zumbi dos Palmares uma das grandes lideranças na luta dos povos de origem africana contra a escravidão no Brasil. A reverência visa atualizar nossa memória histórica permeada por distintas visões de conquistas, desafios e condições. De um lado o racismo estrutural presente na sociedade brasileira multifacetada e pluriétnica. De outro, as contribuições do movimento negro, no caso dos profissionais da educação, em práticas antirracistas libertadoras, legitimadas pela Lei 10639/03 que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, ampliando a proposta da consciência negra não apenas no mês de novembro. 

Essa tarefa pedagógica enfatiza a humanização, pois as diretrizes curriculares, não se restringem à população negra, são para toda população brasileira. E, trazem em seu bojo a ideia de um projeto de sociedade no qual todos os sujeitos estejam engajados na luta contra as desigualdades raciais, como também de gênero e de classe, ambas pela dignidade humana. Nesse sentido, convidamos as trabalhadoras e trabalhadores em educação a perpassarem por uma conduta educacional de inquietação em nome de uma  memória histórica universal, ou seja, de transgressão do ensino dominador rompendo com hierarquias.  Segundo Petronilha da Silva (2011, p.161) “é preciso desmontar hierarquias, mitos, histórias que cultivem sentimentos de superioridade, de inferioridade”. 

Nesse sentido, afirmar que amorte de Zumbi no ano de 1695 pôs fim aos quase cem anos de um dos mais importantes agrupamentos de negros e negras foragidos que a história do Brasil registra: O Quilombo dos Palmares, nos soa  como grande referencial de luta, resistências e representações ancestrais para a população negra brasileira.

A morte de Zumbi no quilombo do qual se tornou líder, transformou-se no símbolo de liberdade ansiada por negros brasileiros de todos os tempos. Mesmo assim, a data 20 de novembro só foi estabelecida pela Lei 12.519/2011. 

Esta data foi escolhida estrategicamente pelo Movimento Negro brasileiro a  como marco de reconhecimento dos direitos civis da população negra. Sendo assim, a reivindicação tem um duplo papel, atender aos direitos básicos do ser humano, bem como os direitos específicos, no caso, as iniciativas eficazes de combate ao racismo e superação das desigualdades raciais. 

No contexto brasileiro, ressaltamos alguns desafios, dentre eles, a questão de raça, uma vez que, de acordo com Pnad IBGE/2019, no ano 2018, 8,9% de pessoas pretas e pardas com 15 anos ou mais eram analfabetas, contra 3,6% de brancos. Na faixa etária de 60 anos ou mais, a taxa de analfabetismo dos brancos alcançou 9,5% e, entre as pessoas pretas ou pardas, chegou a 27,1%. Mais da metade dos analfabetos (56,2% ou 6,2 milhões) vivia na região nordeste e 21,7% (2,4 milhões de pessoas) no sudeste. 

No Brasil, as desigualdades sociais não se limitam às questões regionais  e culturais. Elas também são evidenciadas quanto à posição em que os sujeitos sociais, homens e mulheres ocupam. Portanto, convivemos com as desigualdades de raça, de geração, de território e de renda, que segundo o IBGE (2019), nos anos 2012, uma pessoa branca recebeu, em média, entre 70% e 80% a mais que uma pessoa preta ou parda por mês. Em 2019, essa diferença significou uma renda do trabalho maior em cerca de R$ 1.300 a cada mês. 

Entendemos que a falta de oportunidades nos âmbitos político, educacional e econômico, determinam consequências negativas, desde a ausência da população negra nos espaços de decisão e liderança, o que impede que haja melhorias nas condições de vida dos trabalhadores, se considerarmos que é esta mesma população quem tem sua força de trabalho menos valorizada, como na elaboração e execução de políticas públicas, que devem ser pensadas de forma articulada indo além do arcabouço jurídico e, que  exigem diversas concepções e ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas.  (Mª das Graças Rua, 2009). Diante disto, articular a questão de gênero, raça, território ao mesmo tempo as determinações de classe são alternativas para efetivação de direitos humanos e específicos. 

É possível que ao entrecruzar os diferentes marcadores como: raça, gênero, classe, território, entre outros, sugira-se atingir as pautas do racismo estrutural.  

No campo da educação, a questão racial demanda do reconhecimento dos direitos e do caráter pluriétnico da nação brasileira na alteração da LDB 9694/06 em conjunto com a lei 10.639/03 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004a, 2004b), pois são frutos da luta dos movimentos sociais e atendem significativamente à demanda da comunidade afrobrasileira.  

Esse exercício de cidadania, como prevê a legislação, é uma construção histórica, que, ao longo do tempo, vem sofrendo mudanças. E como não está fixo é preciso que estejamos atentas e atentos. Desse modo, as possibilidades de práticas educativas libertadoras surgem quando seres sociais pensam e sentem os problemas sociais e elaboram ações promovendo mudanças numa perspectiva de (re)orientar práticas motivadoras e que ampliem a capacidade crítica e criativa de situarem-se e  posicionarem-se nos espaços sociais, considerando as múltiplas linguagens e os direitos em suas formas de poder e de resistência. 

Como descrito por  Nilma Gomes (2007, p.109) Na perspectiva de Paulo Freire somos desafiados a construir uma Pedagogia do Oprimido. No entanto, a questão racial nos ajuda a radicalizar ainda mais essa proposta. Somos levados a refletir e  construir uma pedagogia da diversidade. Assim, buscar processos educativos e práticas pedagógicas que valorizem as identidades, a cultura e a história dos povos africanos e afro-brasileiros e, sobretudo, a intencionalidade de promover a igualdade de oportunidades e o exercício da cidadania, conforme prevê a legislação brasileira. 

Pensar, refletir e agir lutando são mecanismos fundamentais para construção de mudanças, tomemos o exemplo de Zumbi, Dandara e demais guerreiras e guerreiros que não se renderam ao regime escravagista e façamos do Dia Nacional da Consciência Negra o verdadeiro dia da liberdade. Desta forma não estaremos reproduzindo a versão histórica dominante, que ainda insiste em atribuir à princesa Isabel o mérito de “redentora”, a bondosa princesa que libertou os escravos em 13 de maio.  

E, no evocar à canção samba–enredo da mangueira no ano de 2019  “Brasil, meu nego deixa eu te contar  a história que a história não conta o avesso do mesmo lugar na luta é que a gente se encontra”… Tanto os poetas, Turco e Jurandir, quanto os compositores, Tomaz Miranda, Deivid Domenico, Danilo Firmino, Silvio Mama, Ronie Oliveira e Marcio Bola, nos convidam a conhecer a verdadeira história de luta do povo negro, destacando nossos heróis e heroínas, nos fazendo orgulhosos de nossa história. 

Referências 

BRASIL. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira’, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 10 jan. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 01 jun. 2020. 

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer do Conselho Nacional de Educação – Câmara Plena (CNE/CP) nº 3, de 10 de março de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. 

GOMES, Nilma Lino. Diversidade étnico-racial e Educação no contexto brasileiro: algumas reflexões In: GOMES, Nilma Lino – Um olhar além das fronteiras: educação e relações raciais/organizado por Nilma Gomes. Belo Horizonte: Autentica, 2007. 

RUA,Maria das Graças . Política Públicas/Maria das Graças Rua.- Florianópolis. Departmaneto de Ciencias da Administração/UFSC. Brasília .CAPES: UAB,2009. 

SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Entre o Brasil e África: construindo conhecimentos e militância. Belo Horizonte: Mazza, 2011 

LEI Nº 12.519, DE 10 DE NOVEMBRO DE 2011. Institui o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/L12519.htm 

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,2019 e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-07/taxa-cai-levemente-mas-brasil-ainda-tem-11-milhoes-de-analfabetos 

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