Como lembraremos de Pernambuco?
Vistas de longe, as discussões sobre a divisão dos royalties do petróleo e o uso desse recurso entre os estados brasileiros guardam uma proximidade inesperada com o debate estabelecido há 180 anos, quando a divisão de competências entre o governo Imperial e as províncias era pauta de calorosas disputas políticas. Durante o Império o resultado do debate teria favorecido o governo central, deixando sob sua responsabilidade a principal fatia tributável da economia brasileira de então, os impostos sobre exportação.
Alguns estudiosos chegam a afirmar que a relativa decadência das províncias do Norte, entre elas Pernambuco, em benefício das províncias do Centro-Sul foi resultado, ao menos parcialmente, das distribuições favoráveis que o Império fazia às províncias paulista, mineira, carioca e gaúcha. Por outro lado, alguns estudos recentes apontam que mais relevante do que identificar a possível centralização excessiva dos recursos em mãos do governo imperial, é preciso entender o quanto as províncias arrecadavam, quais fontes e, mais importante, como usavam os recursos que tinham.
Assumindo os resultados desses novos estudos, a autonomia provincial não era tão pequena e, por isso, o uso que faziam de seus recursos é tão importante. Nesse caso, um dos itens mais significativos a ser analisado é o investimento feito em educação básica, serviço sob a responsabilidade provincial. Alguns dados podem ser esclarecedores.
Entre 1835 e 1930 os gastos do Rio Grande do Sul com instrução primária foi, em média, 15% de seu orçamento, enquanto que em Pernambuco, com exceção da década de 1870, foi de 4%. Em São Paulo representaram aproximadamente 10% de seu orçamento.
Entre os gaúchos a educação recebeu os maiores orçamentos, incluindo obras públicas, gastos com judiciário, saúde e sistema prisional. Em São Paulo, a instrução ocupou, em quase todos os anos do período, o segundo posto, atrás apenas das obras públicas. Em Pernambuco, a instrução primária foi a quarta prioridade.
Um exemplo quase caricatural dessa diferença: a soma dos 30 maiores salários do Judiciário pernambucano pagos em 1865 era maior do que todo o gasto que a província fez em instrução primária no mesmo ano.
Por fim, duas questões. A primeira é lembrar que a riqueza de Pernambuco, medida pelas receitas provinciais, só foi superada pela de São Paulo e do Rio Grande do Sul em 1880. A segunda é que, mesmo com a ampliação da autonomia regional após a instalação do federalismo republicano em 1891, percentualmente os gastos dos três estados continuou no mesmo patamar até 1930.
Em outras palavras, os gastos em educação não estiveram subordinados nem ao tamanho da riqueza absoluta das regiões nem à riqueza relativa ante o governo central. Os resultados são eloquentes. Em 1872, ano do primeiro censo populacional do país, a população entre 06 e 15 anos atendida pela instrução pública no Rio Grande do Sul era de 20,5% do total; em São Paulo 14% e em Pernambuco 10%. No período inicial republicano, segundo os dados para 1920, a população gaúcha entre 7 e 14 anos alfabetizada representava 34% de toda a faixa etária, enquanto que em São Paulo e Pernambuco era de 28% e 14%, respectivamente.
Ou seja, corrigir uma defasagem histórica não é apenas distribuir os recursos entre as regiões do país de modo a dirimir possíveis diferenças criadas por privilégios que, no passado, determinaram tais desigualdades; mas sim reconhecer que o que cada região fez com os recursos disponíveis foi fundamental para a sua trajetória. Daqui a 180 anos, lembraremos que 100% dos royalties do petróleo foram investidos por Pernambuco em educação.
Fonte: Vinícius de Bragança Müller e Oliveira
Professor de História Econômica do Insper