Pode ser que a ordem mundial esteja mudando, que o combustível das crises do norte faça funcionar os motores do sul, que os Estados Unidos passem a segundo plano e que o mundo árabe se transforme na Europa do futuro. Porém, por enquanto, dormimos e acordamos com velhos esquemas.
A Educação, por exemplo, é a mesma desde o século XVII, quando o chamado despotismo ilustrado criou a educação pública, gratuita e obrigatória, que evoluiu nos séculos seguintes para o modelo de escola prussiano, adotado até hoje.
A informação está no documentário argentino A educação proibida, um filme viral que circula livremente pela internet desde sua estreia, em agosto deste ano. O longa, pensado para ser um fenômeno da web, mas que ultrapassou e muito as metas de seus idealizadores, já foi visto mais de cinco milhões de vezes no You Tube e baixado outras cinco milhões. Tanto sucesso parece vir exatamente dessa constatação de que as formas educativas que nos moldam há tempos merecem, no mínimo, uma revisão.
Por onde se olha, estudar parece um dia da marmota em eterna repetição. O sujeito entra num bom jardim infantil que o impulsione a uma boa escola, que o permita fazer um colegial forte que, por sua vez, o coloque dentro de uma boa universidade. Ele “precisa” desenvolver suas capacidades, mas dia após dia, são os interesses alheios que guiam seu desenvolvimento, sempre pautados por repetição simbólica, concorrência e um sistema de prêmios e castigos. De segunda a sexta, ficam de fora a individualidade, a criatividade, a curiosidade e o chamado pensamento divergente – aquele que ensina a ver o mundo de formas diversas, a resolver problemas, a manter a mente aberta.
Em suma, a escola, como cita o filme, é, “um estacionamento de crianças”, um espaço que costuma passar longe de reais expectativas de qualidade de vida, um mero centro de instrução onde se aprende que o futuro é melhor do que o presente e que as respostas são mais importantes do que as perguntas.
Na visão do realizador de A educação proibida, Germán Doin, muitos elementos da escola atual obedecem o modelo de produção industrial, de linha de montagem, e não respeitam o processo profundamente ético e humano que a educação deveria ser. Mas Doin espera que sua visão não fique cristalizada num produto audiovisual, ainda que ele seja popular. “Não se trata de um objeto terminado no qual você fica com a ideia do diretor e pronto, mas sim de discutir, transformar e propor ideias novamente, num processo lúdico de contínua aprendizagem”, afirma. É por isso que no site do filme estão disponíveis as várias entrevistas realizadas com especialistas em educação de visões não ortodoxas sobre o tema.
Ser felizes
A questão é: por que tocar nesse vespeiro? Na verdade, eu, filha desse sistema castrador e com memórias obscuras da infância ativadas depois de refletir sobre os temas do filme, não consigo pensar em razões para não fazê-lo.
Divulgação
Por trás do tédio da maioria das aulas a que uma criança assiste, e até mesmo nas relações entre professor e aluno e entre os próprios alunos, está implícito o objetivo de conservar as estruturais sociais e manter o poder exatamente onde ele está: nas mãos de poucos ou simplesmente nas mãos de alguém.
Além disso, todos temos que saber as mesmas coisas? Mesmo se a resposta fosse não (o que não é), como saberíamos escolher o que aprender? Muito se fala, ainda hoje, sobre paz. Então por que se educa para a concorrência e a disputa, que são o princípio de qualquer guerra? Os questionamentos não param, como acontece com crianças que, aos três, quatro anos, se deparam com o mundo como ele é.
Segundo um dos estudos citadas no documentário, 98% das crianças aos cinco anos podem ser consideradas gênios, porque combinam altos níveis de curiosidade, criatividade e pensamento divergente. Aos 15 anos, depois de experimentar a escola, só 10% mantém esses níveis e, portanto, continuam geniais – palavra que o dicionário define também como alegres e prazenteiros.
Mudar a escola, portanto, serve para sermos “meramente” felizes.
E agora?
A discussão aponta soluções, das quais a desescolorização seja talvez a mais radical. A meu ver, evitar espaço coletivo ganhará mais adeptos à medida que constatamos que o ambiente escolar é daninho. Mas torço para que a convivência e multiplicidade de olhares prevaleçam em nome, justamente, da criatividade e da individualidade.
Sim, o tema é apaixonante – ou então revoltante, se virarmos a moeda. Tão intenso, que um documentário de quase duas horas e meio, esteticamente e narrativamente pouco exigente, concentra ao seu redor uma discussão que tardou em começar, mas que vem em boa hora.
Nossa visão de educação ficou velha e precisa morrer. Só assim, não será outra vez dia da marmota. E a antiga ordem pode então desabar.
Fonte: Ópera Mundi, em 3 de janeiro de 2013.