Sindicato dos Trabalhadores e das trabalhadoras em Educação de Pernambuco

Atualização do debate sobre o Novo Ensino Médio em meio à consulta pública do MEC

A revogação do Novo Ensino Médio – NEM, implementado pela Lei número 13.415/17, é condição essencial para se resgatar o direito à educação no Brasil, à luz dos princípios do acesso universal, da qualidade e da equidade no atendimento escolar, sobretudo para a grande maioria dos jovens que frequenta a escola pública (quase 88% das matrículas no ensino médio estão nas redes públicas).

Sobre o acesso à escola, nenhuma política pode prescindir de mecanismos voltados para a superação das desigualdades. E o Brasil continua acumulando taxas indigentes de exclusão escolar: mais de 70 milhões de pessoas acima de 18 anos de idade não concluíram o ensino médio, segundo dados da Pnad-Contínua do IBGE, e mais de 25% dos jovens entre 15 e 17 anos não frequentam o ensino médio – estão no ensino fundamental ou fora da escola. Além disso, mais da metade da população infantil não tem acesso à creche.

Ainda sobre a exclusão escolar no Brasil, de acordo com o relatório do 4o Ciclo de Acompanhamento das Metas do Plano Nacional de Educação – 2022, houve queda nas taxas líquidas de matrículas em todas as etapas pesquisadas. Especificamente no corte etário de 5 anos, 97,2% das crianças nesta idade frequentavam a escola em 2019, contra 84,9% em 2021. Na população de 6 a 14 anos (ensino fundamental), o percentual caiu de 98,3% para 95,1%, entre 2018 e 2021, enquanto que entre os jovens de 15 a 17 anos (ensino médio) passou de 76,6% para 74,5% no período de 2020 e 2021. Também é ultrajante a informação contida no último relatório Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, que apontou o percentual de 36% de jovens brasileiros entre 18 e 24 anos que não estudam e nem trabalham. Entre as 45 nações pesquisadas pela OCDE, o Brasil só não ficou atrás da África do Sul, vítima do criminoso apartheid racial implementado no país entre 1948 e 1994.

O NEM, em parceria com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, também induz uma espécie de apartheid socioeducacional na medida em que esvazia os conteúdos da formação geral básica nas escolas públicas, substituindo os componentes curriculares de história, geografia, sociologia, filosofia, artes, física, química, biologia – pilares do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM e de demais certames para acesso à educação superior –, por conteúdos desprovidos de base teórica e apartados dos objetivos da escolarização. E essa mudança tende a comprometer gravemente a aprendizagem das classes populares, diminuindo suas chances de acesso às universidades públicas e gratuitas.

Porém, esse não é o único complicador! Os itinerários formativos que não se encontram disponíveis para todos os estudantes e em todas as escolas, especialmente nos mais de 2.500 municípios com apenas uma única escola pública de nível médio, rompem com a unidade formativa no nível básico, uma vez que foram desvinculados da formação geral, dos projetos político-pedagógicos das escolas e da própria orientação docente. E a ampla terceirização privatista dos currículos, especialmente nos itinerários, junto com a desprofissionalização do magistério por meio do Notório Saber na formação técnica e profissional, ou mesmo a improvisação imposta aos docentes para lecionarem conteúdos estranhos à sua formação profissional (“O que rola por aí”, “RPG”, “Brigadeiro caseiro”, Mundo Pets S.A”, “Arte de morar”, entre outros) corroboram o esvaziamento da escola pública e o intenso processo de desvalorização de seus profissionais.

Pelas razões expostas, e pela total incompatibilidade com a organização curricular e pedagógica das escolas, o NEM nunca entregou e nem entregará as pseudo-oportunidades anunciadas para a formação inovadora e conectada aos interesses da juventude. Trata-se de projeto excludente e direcionado à exploração desenfreada do capital, que reduz as possibilidades de ascensão social das classes menos abastadas. Por outro lado, serve de estímulo à expansão das matrículas particulares – para as famílias que podem dispor de recursos para financiar mensalidades em escolas de referência –, já que essas não abriram e nem abrirão mão de ofertar uma sólida base de formação geral a seus estudantes. Os itinerários formativos, se adotados por essas instituições, certamentre estarão vinculados à base curricular geral, de maneira complementar e não acessória e desprovida de conteúdos curriculares embasadores da formação escolar.

Diante desta realidade fática, a CNTE e parte significativa da sociedade civil organizada, entre educadores, pesquisadores, estudantes, pais, mães e movimentos sociais engajados na defesa da escola pública e pelos direitos da juventude, têm denunciado as incoerências e gravidades impostas pelo Novo Ensino Médio no Brasil, que traz consigo, de forma mal adaptada, o importante mote da educação em tempo integral. Este tipo de oferta, bastante desejável para a melhoria da educação – e que precisa observar as condições mínimas da Meta 6 do PNE (Lei no 13.005/14), sobretudo seu caráter sistêmico em toda a educação básica (da creche ao ensino médio) –, carece de um período de transição que não comprometa a oferta escolar para o público que não poderá acessar o tempo integral, seja porque muitas das escolas ainda não estão preparadas para essa finalidade (em termos de infraestrutura, materiais didáticos, organização curricular e formação de seus profissionais), ou porque parte expressiva da juventude e dos adultos com ensino médio incompleto possui outras prioridades inadiáveis – o “ganha pão” para o próprio sustento e de suas famílais – e precisa dispor de atendimento em escolas regulares de tempo parcial, tanto diurnas como noturnas, ou na Educação de Jovens e Adultos – EJA.

A consulta do MEC sobre o NEM, conforme a CNTE já se manifestou anteriormente, possibilita reabrir o debate sobre essas e outras questões relacionadas ao modelo de ensino médio imposto ao país após a ruptura/golpe institucional de 2016, mas acreditamos que o novo PNE, a ser aprovado no próximo ano, terá papel importante na definição de metas e estratégias para o conjunto da educação brasileira, inclusive o ensino médio, devendo servir de bússola para a construção do tão almejado projeto de educação emancipadora, inclusiva, democrática e freiriana para o Brasil.

Por ora, a revogação da Lei no 13.415 – ou suas principais incongruências que vão além daquelas apontadas na consulta pública do MEC – exige a aprovação de outro instrumento legal pautado nas realidades e condições acima descritas, e que busque atender as expectativas da juventude e dos adultos com escolarização incompleta. Todos desejam um ensino médio mais dinâmico, criativo, voltado para as áreas de interesse dos estudantes, porém, é preciso assegurar plenas condições de acesso e qualidade para todos/as, sem deixar de tratar desigualmente os desiguais para promover a efetiva igualdade.

Nesta perspectiva de alteração legislativa, já existem dois projetos de lei protocolados na Câmara dos Deputados (PL no 1.299/23 PL no 2.601/23) que atendem parcialmente as expectativas do conjunto da sociedade que luta pela revogação do NEM. Por óbvio, e considerando a atual composição do Congresso Nacional, o ideal seria a construção de um projeto de consenso entre o MEC, os gestores estaduais e a sociedade. Mas os indicativos não apontam para essa realidade. E muito provavelmente caberá à sociedade progressista construir seu instrumento de luta – ou apresentar emendas aos projetos já protocolados –, de forma mais coletiva e agregadora possível, a fim de atrair os votos necessários para obter maioria nas duas Casas do parlamento.

Na visão inicial da CNTE, a qual pretendemos ampliar o debate em âmbito do Fórum Nacional de Educação – FNE e do Fórum Nacional Popular de Educação – FNPE, a substituição do NEM por outro ensino médio substancialmente includente e de qualidade requer a agragação ao menos dos seguintes compromissos, muitos deles dispostos na Resolução CNE/CEB no 2/2012, fruto de amplo debate com a sociedade:

  1. Garantir a duração mínima de 2.400 horas para o ensino médio regular (diurno e noturno), em no mínimo 3 anos, para atender a formação geral básica dos estudantes.
  2. O ensino médio regular diurno, quando adequado aos seus estudantes, poderá se organizar em regime de tempo integral com, no mínimo, 7 horas diárias.
  3. No regime de tempo integral, a formação geral básica deverá ter duração mínima e presencial de 2.400 horas ao longo do curso.
  4. A parte diversificada do currículo, na oferta em tempo integral, não pode constituir bloco distinto da formação geral e deve assegurar, no mínimo, 70% da carga horária em ambiente escolar e presencial, admitindo-se seu complemento através de atividades de pesquisa e extensão, desde que vinculadas aos projetos pedagógicos das escolas e sob supervisão docente.
  5. O estudo da Língua Espanhola deve ser optativo a partir do 6o ano do ensino fundamental e obrigatório no ensino médio, buscando atender aos pressupostos da integração regional e cultural da região latino-americana.
  6. A oferta da educação profissional técnica de nível médio deve atender aos preceitos dos artigos 36-A a 36-D e 39 a 42 da Lei 9.394/96, e se dar preferenciamente de forma articulada com o ensino médio regular ou com a EJA de nível médio.
  7. A BNCC e a formação de professores (BNC-Formação) deverão ser revistas para atender aos pressupostos da nova configuração do ensino médio, mantendo, também, maior sintonia com o ensino fundamental.
  8. À luz do Sistema Nacional de Educação e de incrementos no FUNDEB, especialmente com a implementação do Custo Aluno Qualidade, será necessário aperfeiçoar as políticas de cooperação e construir novos regimes de colaboração no sentido de assegurar a ampliação da oferta escolar em tempo integral para toda a educação básica. O PL no 2.617/23, do Executivo Federal, que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, embora atente para essa finalidade, ainda possui muitas limitações sobretudo porque não garante aspectos da infraestrutura necessários para a oferta escolar de 7 horas diárias.

A consulta pública do MEC sobre o NEM se encerra no próximo dia 6 de julho, quando será aberto o prazo de mais 30 dias para o Ministério apresentar os resultados da pesquisa e propor alternativas ao NEM. A CNTE reitera que não bastam mudanças pontuais na Lei no 13.415 e em suas normatizações, pois a estrutura concentual do NEM é altamente prejudicial à educação pública e à sociedade brasileira. Esperamos, assim, poder avançar na construção coletiva – quiçá com o próprio Governo Federal – de um outro projeto para o ensino médio, que deverá integrar os compromissos do próximo Plano Decenal de Educação.

Brasília, 23 de junho de 2023.

Diretoria da CNTE

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