No último mês de julho, participei do 10º Congresso Mundial da Internacional da Educação (IE) em Buenos Aires, capital da Argentina. A IE é a maior federação mundial de sindicatos de trabalhadores do campo da educação. Criada em 1993 em Estocolmo, capital da Suécia, pela fusão de duas outras entidades que, à época, reuniam os/as educadores/as de grande parte do mundo, a IE congrega hoje mais de 30 milhões de professores/as e funcionários/as da educação de todo o planeta, da pré-escola à universidade, contando com mais de 400 organizações sindicais filiadas em 177 países em todos os continentes.
Nesse Congresso foi eleito o novo Conselho Executivo da entidade e tive a honra de ser eleito Vice-Presidente para a América Latina da IE. Esse Conselho Executivo é formado pelo presidente, secretário-geral e 5 vice-presidentes (um para cada continente ou região do planeta), além de outros membros que irão determinar as políticas e os programas da organização. Essa é a estrutura de governança da IE que, com sede em Bruxelas, conta tambémcom escritórios regionais, em cada continente do mundo, para discutir as questões da educação e dos/as educadores/as de forma mais próxima. Aqui na América Latina, temos a Internacional da Educação para América Latina (IEAL), com outro corpo diretivo,que fica sediada em San José, capital da Costa Rica.
A inserção global do Brasil no debate de organização da classe trabalhadora em educação não vem de agora. Trata-se, na verdade, de uma longa tradição de nossas organizações, anterior mesmo à própria constituição da CNTE, que foi formada no ano de 1990, quando os/as professores/as e funcionários/as da educação decidiram se unir. Antes da CNTE, existiu a CPB (Confederação dos Professores do Brasil), que organizava somente os/as trabalhadores/as docentes. E antes da CPB, existia a CPPB (professores primários) que, criada ainda no ano de 1960 pela articulação de várias associações de professores primários nos Estados brasileiros, era uma organização só de professores/as primários. E vem justamente dessa época, mais precisamente no ano de 1962, que os/as educadores/as brasileiros/as decidiram se inserir no debate global da educação. Como mais tarde os militantes ambientalistas viriam a cunhar o termo “pensar globalmente, agindo localmente”, nossa militância também sempre se guiou por essa máxima.
Naquele ano de 1962, no V Congresso da CPPB em Goiânia, os/as professores/as brasileiros/as decidiram se associar a CMOPE, a Confederação Mundial das Organizações de Profissionais de Ensino. O salto qualitativo da inserção internacional do debate sindical e de organização foi imenso quando os encontros sindicais passaram a contar com a presença de dirigentes de outros países. A começar pela ampliação da pauta salarial meramente corporativa, que passou a vislumbrar horizontes mais complexos ao percebermos que os nossos problemas daqui são os mesmo problemas de muitos outros tantos lugares do mundo.Ganhamos, nas palavras do educador João Monlevade, “ousadia” na nossa luta. Como é indicado na letra do meu conterrâneo pernambucano, o cantor e compositor já falecido Chico Science, “encontrei o cidadão do mundo no manguezal da beira do rio”.
A evolução da organização da classe trabalhadora em educação no Brasil teve, portanto, essa influência direta da nossa opção de termos uma articulação internacional. Quando passamos a nos organizar incorporando também os/as professores/as secundários, dos antigos ginásios, no período em queeclodiram as grandes greves no Brasil, em 1979, foi criada a CPB. Ali, naquela época, o Brasil passa a ter também mais protagonismo na arena internacional. Durante toda a década dos anos de 1980, naquele período de florescimento da organização dos sindicatos no Brasil, na época da redemocratização da pós-ditadura militar, de mero filiado às entidades internacionais, as organizações sindicais brasileiras passaram a ocupar os espaços de poder nessa arena internacional. E não meramente por ocupar. Nossa intenção sempre foi a de influir.
Ainda na década de 80, o Brasil ocupou com Tomaz Wonghon, recentemente falecido, a vice-presidência da CMOPE. E a influência brasileira passou a pautar o debate internacional no campo da educação. Com a unificação dos/as trabalhadores/as em educação no Brasil em 1990, que uniu professores/as e funcionários/as de escolas na mesma organização política e sindical, quando foi criada a CNTE, essa pauta se estendeu para o mundo todo. Logo na sequencia, a CMOPE se transforma na Internacional da Educação (IE), agregando também os/as trabalhadores/as não docentes, a partir de uma pauta brasileira: somos todos educadores! Esse mote, que servia para defender o papel pedagógico de todos/as os/as trabalhadores/as em educação no espaço escolar, sendo professores/as ou funcionários/as da educação, reverberou no mundo e pautou nossa organização e atuação sindicais.
Desde então, o Brasil mantém sua forte influência e inserção globais no debate sindical internacional. Depois de Tomaz, nosso paísindica,já com a IE constituída, e por meio da CNTE brasileira, a vice-presidência para a América Latina da IE, mantendo-se sempre, desde essa época, no Conselho Executivo da entidade. Agora, quem assume esse bastão sou eu, mas ele já foi empunhado por nomes como Carlos Abicalil, Juçara Dutra e Roberto Leão. Espero honrar esses nomes que me precederam nessa tarefa tão importante de, além de representar os/as trabalhadores/as em educação do Brasil no mundo, conseguir,desde a terra de Paulo Freire, oferecer nossas contribuições no campo educacional a outros tantos países.
Em 2004, já sediamos em Porto Alegre, hoje tão machucada pela recente catástrofe climática, um Congresso Mundial da IE. Naquela época, com o histórico de organização na cidade de algumas edições do Fórum Social Mundial (FSM) e com a recente primeira eleição de Lula à Presidência brasileira, fizemos um encontro global dos/as educadores/as de todo o mundo em um Brasil que anunciava a esperança de que “um outro mundo é possível!”. Hoje, 20 anos depois, que a educação e os/as educadores/as brasileiros/aspossam continuar a contribuir com um desenvolvimento global mais justo. E ainda agarrados àquela esperança do FSM de Porto Alegre, que seja possível imprimir no mundo o nossoesperançarde Paulo Freire! Sempre em busca de uma sociedade mais justa e igualitária, que não pode nunca prescindir de uma educação pública como direito social inalienável de toda a humanidade!
(*) Heleno Araújo é presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE e professor das redes públicas de educação básica do Estado de Pernambuco e do Município de Paulista – PE.