O Brasil perdeu quase 800 bibliotecas públicas entre 2015 e 2020, de acordo com dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), mantido pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo. Para o ex-diretor da Biblioteca Mário de Andrade e ex-coordenador do Programa Nacional do Livro e da Leitura, José Marques Castilho Neto, trata-se de uma política deliberada de destruição do direito à leitura para todos e todas.
Neto, que também é professor e consultor para políticas públicas de leitura, disse não estar surpreso com a notícia de que eram 6.057 bibliotecas públicas no Brasil e que agora são 5.293, mesmo com o Plano Nacional de Cultura, que tem como uma das metas “garantir a implantação e manutenção de bibliotecas em todos os municípios brasileiros”, e a Lei 13.696/2018, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), abandonados pelo governo atual.
“Com a notória política destrutiva dos governos que se seguiram à derrubada da presidente eleita Dilma Rousseff, principalmente a partir do governo Bolsonaro, não bastava apenas não manter bibliotecas, era preciso forçar o fechamento das existentes”.
Ele afirma ainda que o governo federal tem posições regressivas e contra a cultura. “O governo federal extinguiu programas de incentivo, arrasou as estruturas de governança nos ministérios e nomeou títeres ideológicos que se preocupam apenas a vociferarem contra os que não concordam com suas posições regressivas, anticultura, antieducação, anti-ciência. Isso é o que eles chamam de “guerra cultural” que, como toda guerra, só se preocupa em destruir e nada constrói”, destacou.
Bibliotecas públicas são aquelas mantidas pelos municípios, Estados, Distrito Federal ou governo federal, que atendem a todos os públicos. São consideradas equipamentos culturais e, portanto, estão no âmbito das políticas públicas do governo federal.
O número de bibliotecas fechadas pode ser ainda maior, devido à atual fragilidade do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, após a extinção do Ministério da Cultura, e da falta de controle efetivo pelos sistemas estaduais, cujos dados alimentam o sistema nacional.
A bibliotecária e vice-presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), Luciana Melo (Luba), diz sentir tristeza em pensar que neste país há uma narrativa em curso pela valorização das armas e condenação aos livros.
Para ela, vivemos em uma conjuntura difícil para as políticas públicas e a cultura tem sido atacada inúmeras vezes neste governo. Isso passa pelo fim do Ministério da Cultura em 2019. Vetos de Bolsonaro à Lei Aldir Blanc 2 e à Lei Paulo Gustavo, importantes leis de fomento à cultura.
“Recentemente Bolsonaro, ao atacar Lula, disse que ele iria transformar clubes de tiros em bibliotecas, desqualificando este importante equipamento público que hoje é mantido pelos municípios, estados, governo federal e atendem a população de forma gratuita. Fica evidente a falta de interesse e valorização desses equipamentos pelo atual governo”, ressalta Luba.
Segundo Neto, como professor, como leitor, como cidadão, existe um sentimento de revolta ativa contra todo o obscurantismo e regressão que significa o ato de fechamento das bibliotecas e toda tentativa de barrar o direito à leitura das crianças, dos jovens e dos adultos.
“Sinto também um misto de vergonha pelo desprezo que boa parte de nossa sociedade civil e grande parte da elite econômica brasileira têm para as graves questões que envolvem a leitura, o letramento, a alfabetização e o acesso a todas as formas de leituras que temos no Brasil”, ressalta.
O professor disse que a biblioteca de acesso público é um organismo vivo que tem que fazer renascer e cumprir seu papel formador e agregador, como fazem muitas e exemplares bibliotecas públicas, escolares e comunitárias que resistem à destruição de seus valores e missões.
“Para as trabalhadoras e trabalhadores da educação, uma biblioteca viva deveria ser o centro, a essência de seu aprendizado permanente, por toda a vida, fonte de recursos de saber, centro de convivência com seus pares e seus estudantes, fonte de interação social com a comunidade local e com as famílias dos discentes. Enquanto não entendermos que as leituras e as escritas são as chaves para todos os outros direitos humanos na sociedade contemporânea, o nosso país seguirá subalterno, com baixa autonomia e sustentabilidade perante o mundo globalizado”, finaliza.
Minas Gerais e São Paulo lideram em números de bibliotecas públicas fechadas
Das 764 bibliotecas públicas fechadas em cinco anos, 91% estavam localizadas nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, sendo em sua maioria bibliotecas municipais. São Paulo tinha 842 bibliotecas públicas em 2015, segundo o SNBP, número que caiu para 304 em 2020, com a perda de 538 unidades em cinco anos. O montante representa 70% de todas as bibliotecas fechadas no país no período.
Luba explica que o estado de SP vivencia uma onda conservadora, retrógrada há alguns anos. Ela lembrou da medida absurda e autoritária do então prefeito de SP, João Dória (PSDB) com o programa “Cidade Linda”, em que mandou pintar o maior mural de grafite da América Latina. Destruindo obras incríveis. Segundo ela, só com este histórico já dá para ter uma ideia do que foi seu governo no estado de SP nos anos seguintes.
“Em 2019 o estado de SP viveu um ‘contingenciamento’ de R$148 milhões do orçamento da cultura, além da ameaça de corte a projetos em diversas cidades. Neste cenário não me surpreende que o estado seja um dos que mais fechou bibliotecas no país”.