Texto elaborado pela Secretaria para Assuntos de Gênero do Sintepe
No meio do turno matinal do dia 17 de março de 2020, nós, trabalhadoras e trabalhadores da educação de Pernambuco, regressamos para as nossas casas rumo ao isolamento social decretado pelo governador, neste mesmo dia, falecia a primeira vítima de COVID-19 no Brasil.
Voltamos para os nossos lares com incertezas, medos e sem nenhum planejamento de como se daria o ano letivo, consequentemente de como desenvolveríamos nosso trabalho com as/os estudantes. Houve uma ruptura na rotina escolar para todas/os e a comunicação ocorria pelas redes sociais e mensagens eletrônicas dos aparelhos pessoais das/os professoras/es.
A partir de então, nós, trabalhadoras/es de educação – de forma precária e sem nenhum tipo de formação sobre as plataformas digitais – superamos nossas dificuldades em utilizar esses espaços virtuais e lidamos com processos mais intensos de adoecimento mental (ansiedade, síndrome do pânico, depressão, síndrome de burnout…) sem nenhum apoio do governo estadual. Usamos equipamentos eletrônicos pessoais, nossa internet, energia e ocupamos mais horas pesquisando materiais, preparando aulas, vídeo-aulas, slides, monitorando e dando suporte às/aos estudantes de forma intensificada e exaustiva.
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Para nós, trabalhadoras em educação, o cenário foi/ é mais desesperador, visto que ficamos mais sobrecarregadas, já que toda a família estava dentro do ambiente doméstico. O trabalho doméstico e de cuidados se intensificaram e ocorriam ao mesmo tempo que as aulas remotas e a preparação das mesmas. Para as mães trabalhadoras em educação, com familiares acamados/idosos, o desgaste físico e emocional foi ampliado, pois essas mulheres não podiam mais contar com sua rede de apoio, devido ao isolamento social fundamental para salvar vidas.
Mariana Silva, professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual, exemplifica como foi sua rotina de trabalho durante o isolamento por causa da pandemia: “Minha rotina de trabalho durante o isolamento foi atordoada, exaustiva, pois misturou-se, tendo em vista que meu local de trabalho foi durante um bom tempo a minha casa, com minha rotina de mãe. Minha rotina de mãe, por sua vez, misturou-se com o trabalho de auxiliar das professoras da minha filha quando a mesma também teve suas atividades escolares transferidas para sua casa. Não me senti acolhida pelo estado para dar conta de tudo isso e manter a minha estabilidade emocional de mulher preta em meio a uma sociedade patriarcal e racista. Isso afetou, e ainda afeta, meu meio profissional.”
Além disso, enquanto servidoras públicas, em muitos casos, nos tornamos o único sustento da família, pois muitas/os das/os nossas/os companheiras/os e/ou outras/os familiares trabalhadoras/es ficaram desempregadas/os ou receberam cortes salariais, já as/os autônomas/os ou informais não puderam exercer suas atividades. Nesta pandemia, percebemos a importância dos serviços públicos para o país e, principalmente, para a nossa família. Mais que isso, percebemos a importância do SUS para as nossas vidas.
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) elaborou um estudo comparando 2019 a 2020, em relação à inserção das mulheres no mercado de trabalho no Brasil. Na região Nordeste, em 2020, 16,8% das trabalhadoras ficaram desocupadas; em 2019, 13,9%. As trabalhadoras nordestinas seguem ganhando menos e, devido ao racismo estrutural, são as mulheres negras as mais prejudicadas. Percebe-se, assim, como o machismo e o racismo retiram as mulheres do mercado de trabalho, principalmente em cenários econômicos e sociais de crise.
O retorno para os locais de trabalho também se deu via decreto, com as mesmas incertezas, medos e angústias que o início da pandemia: não havia vacina para todas/os; muitas escolas sem estrutura; as/os trabalhadoras/es tendo que fiscalizar todos os protocolos de segurança mínimos conquistados pela nossa categoria. Mariana Silva relata como tem sido esse retorno à sala de aula: “Eu sou professora do estado de Pernambuco desde março de 2017. Nesta pandemia da Covid-19, eu trabalhei em salas lotadas de adolescentes que não querem usar máscara, pois não entendem verdadeiramente o processo de uma pandemia e não se preocupam em cumprir o protocolo de segurança. O Estado, por sua vez, não faz adequadamente o seu papel de garantir a segurança dentro das escolas. Me sinto abandonada. Isso afetou negativamente meu processo depressivo, atingindo em cheio minha vida pessoal.”
Nossos desafios são grandes, mas sabemos que passar por eles sem a união de nossa categoria, apoiadas/os pelo nosso sindicato (Sintepe), as demandas se tornariam mais árduas. Nós, mulheres trabalhadoras da educação, historicamente compreendemos a importância da rede de apoio e de estarmos juntas em constante solidariedade, algo que o patriarcado e o racismo estruturais, somados ao neoliberalismo, insistem em aniquilar.
REFERÊNCIAS
Brasil, a inserção das mulheres no mercado de trabalho. 3º trimestres de 2029 e 2020. DIEESE. 7 p.